Temos sido massacrados, dia e noite, por manchetes absurdas, por notícias falsas propagadas irresponsavelmente na internet em suas redes sociais. 
São tantas que até os mais prudentes, volta e meia caem na armadilha e acabam auxiliando a propagar. Com esses boatos se destroem reputações, se exaltam falsos mitos, falsos heróis, se condena quem não deve, se isenta também quem não deve estar isento. Nessa onda absurda nos perdemos em meio ao ódio e em meio a desesperança. Permitimos com isso que destruam nossos valores mais caros muitas vezes. Somado a isso, a produção enlouquecida de notícias, as verdadeiramente tristes ou revoltantes passam muitas vezes desapercebidas ou a elas não é dado o necessário valor. 
Os desastres, naturais ou provocados, trazem sentimentos tão intensos que permanecemos atônitos e no carretel de sentimentos, deixamos de observar os pequenos fatos do dia a dia. Acreditávamos por exemplo que depois da boate Kiss ter matado tantos jovens e atrofiado a qualidade de vida de outras tantas pessoas, aprenderíamos. Até parecia mesmo, fez-se o que se apelidou de Lei Kiss Federal, também Leis Kiss estaduais e aqui no Rio Grande do Sul, ao menos, essa ordenou cuidados e fiscalização aos municípios e determinou inclusive que estes legislassem a respeito. 
Em um esforço coletivo foram aprovadas até agora pouquíssimas legislações municipais, com enorme dificuldade. Particularmente participei ativamente da criação da Lei Kiss municipal de São Leopoldo e de Porto Alegre, a qual foi bravamente fomentada pelos melhores bombeiros civis da região, não canso de falar da minha admiração. Pois bem, semana passada fomos bombardeados com a notícia de que a legislação de Porto Alegre foi suspensa por uma decisão liminar monocrática no Tribunal de Justiça do RS. Os grandes comerciantes da nossa capital estão preocupados com a despesa que isso vai trazer. 
Ora, a preocupação com os lucros é legítima, eu concordo e defendo, mas há que se ponderar diversos aspectos. Primeiro, a legislação obriga a contratação de bombeiros civis a partir de um número mínimo de frequentadores, o que afasta a obrigação das lojas de rua, por exemplo, que são a ampla maioria do comércio. O foco, em se tratando de comércio é obviamente os grandes centros comerciais, para os quais tais contratações significam quantia irrisória. É irrisória, pois no rateio de despesas o custo é relativamente baixo, ainda que não seja insignificante no caixa de quem está lutando para sobreviver ao consumo baixo de um país de baixa renda, fator obviamente agravado pela reforma trabalhista aprovada de forma açodada, mas isso é conversa para outra hora. A questão é de custo do risco. 
Imagine que um dos nossos gigantes shopping centers pegasse fogo... Digamos que se conseguisse socorrer as instalações físicas em médio prazo com a estrutura que hoje temos. Obviamente estou sendo otimista. Imaginemos que durante esse incêndio as pessoas se pisoteassem, no afã de salvarem suas vidas, como sói acontecer e ainda algumas, presas em lojas, viessem a falecer ou ficassem inválidas. Qual o custo disso para a imagem do shopping, qual o custo da indenização de um empregado que morre em serviço para o lojista? Certamente teria o potencial de falir diversas marcas, não teria? Ainda que o Judiciário venha a relativizar os custos, indenizações e os gastos, o estrago estará feito, isso sem falar naquilo que é impossível definir... Quanto custa uma vida humana?
Parece absurdo falar sobre dinheiro quando estamos falando em vidas. Porém, aqui vai a parte que remete ao início do texto. Onde estão nossos valores pessoais? O que além da vida humana o ser humano deve pensar em proteger? Tenho certeza que cada leitor sabe a resposta, se olhar para dentro de si e que a resposta é uma só. O que irá mudar para quem decide sobre isso é qual valor dará prioridade. Lamentavelmente temos visto que as decisões que afetam a muitos tem sido desfocadas da essência, aparentando estarmos indiferentes àquilo que se perdermos jamais recuperaremos.
Paulo Cordeiro – advogado